domingo, 25 de maio de 2014

OS DRAGÕES NÃO CONHECEM O PARAÍSO


Quando anunciei no meu perfil do Facebook que tinha escrito pela primeira vez sobre o Caio Fernando Abreu (1948-1996) e que iria abandonar o livro Morangos Mofados (post MAR/2014) meu amigo Roberto Camargo escreveu no Face o seguinte comentário: “Não abandona! Não abandona! Não abandona!!!” A transcrição é literal, com três interjeições no final da curta frase. Entendi perfeitamente o quase desespero do Roberto em virtude da relação do Caio com a sua vida, e imaginei quase que imediatamente a transformação que o Caio poderia dar na vida de quem achou o livro.

Desde então tenho revisitado constantemente a obra desse autor e, entre um afazer e outro, pego um livro e leio um conto, uma frase, ou um grifo que fiz num determinado livro. Foi assim que, ao abrir a primeira página de Os Dragões Não Conhecem o Paraíso, li novamente uma recomendação do próprio Caio que diz:

“Se o leitor quiser, este pode ser um livro de contos. Um livro com 13 histórias independentes, girando sempre em torno de um mesmo tema: amor. Amor e sexo, amor e morte, amor e abandono, amor e alegria, amor e memória, amor e medo, amor e loucura. Mas se o leitor também quiser, este pode ser uma espécie de romance-móbile. Um romance desmontável, onde essas 13 peças talvez possam completar-se, esclarecer-se, ampliar-se ou remeter-se de muitas maneiras umas às outras, para formarem uma espécie de todo. Aparentemente fragmentado mas, de algum modo – suponho – completo.”

Hoje não vou descrever nem dar pistas sobre os contos para evitar estragar o prazer do leitor na descoberta do universo caiofernandoabreuniano, entretanto, na minha insignificante opinião, reservo-me no direito de recomendar a leitura do livro por inteiro, passo a passo, ou melhor, conto a conto, e depois que cada um monte sua versão do jeito que quiser.

Na edição que vou abandonar o leitor tomará o primeiro baque só de olhar a capa, ela contém uma espécie de alvo com a foto de um ser humano pulando no vazio, mas com um paraquedas acoplado. Esse é o Caio a quem amo.

Cidade do abandono: São Paulo/SP
Local: Centro Cultural Banco do Brasil - Balcão do café
Data: 02/07/2014

domingo, 18 de maio de 2014

A BICICLETA AZUL


Ando me perguntando por que alguns livros lançados nos últimos anos tem sempre uma continuação. Vejam alguns exemplos: Saga Cinquenta Tons (Cinquenta Tons de Cinza, Cinquenta Tons Mais Escuros, Cinquenta Tons de Liberdade), Saga Crepúsculo (Crepúsculo, Lua Nova, Eclipse, Amanhecer), As Crônicas de Gelo e Fogo, Senhor dos Anéis, Harry Potter, As Crônicas de Narnia, e a mais recente febre entre as adolescentes românticas com três volumes até agora intitulada: A Seleção, isso sem falar no mega sucesso entre meninos e meninas que é Jogos Vorazes, também uma trilogia que já alcançou as telas de cinema com enorme sucesso. E já nas prateleiras, Insurgente, o segundo volume da série Divergente. Mais uma, oh céus.

Como curioso que sou já sei que em algum momento da minha vida vou dar um crédito e acabar lendo tudo isso, como já o fiz com Senhor dos Anéis, Harry Potter, Crepúsculo, os Tons de Cinza e por aí vai. Mas, sinceramente, não sei como a autora de Cinquenta Tons conseguiu escrever quase mil e quinhentas páginas dos três volumes para contar uma história que, na minha modestíssima opinião, poderia ser resumida em um único exemplar e já estava de bom tamanho. Sei que nessa hora vários leitores do blog vão pensar... Tolinho, em que mundo você vive... É claro que o dinheiro vale a espichada na história... Mas eu não concordo inteiramente com isso, uma vez que há trilogias fantásticas como Senhor dos Anéis e os sete livros do Harry Potter que amei ler por todas as invencionices e ramificações que a autora tirou da sua cabeça fervilhante.

Pensando nisso fui buscar no fundo do meu baú de livros A Bicicleta Azul, da autora Régine Deforges, o primeiro de uma longa jornada já que nem sei dizer quantos livros contam a vida de Léa Delmas, se alguém souber essa informação escreve aqui, mas o fato é que Léa marcou uma geração que cresceu acompanhando a publicação. Nesse primeiro volume, A Bicicleta Azul, Léa Delmas tem 17 anos e vive sua primeira experiência de amor, mas o início na Segunda Guerra Mundial interrompe sua alegria e marca sua juventude, ela terá de conviver com a ocupação nazista, a violência, e ao mesmo tempo com as inquietações dessa paixão arrebatadora.

Eu cheguei a ler algumas continuações: Vontade de Viver, O Sorriso do Diabo e Tango Negro, depois cansei. Ler tudo isso exige esforço, e perseverança. Vai tentar?

Cidade do abandono: Salvador/BA
Local: Espaço Itau de Cinema
Data: 27/07/2014

domingo, 11 de maio de 2014

O QUE É ISSO COMPANHEIRO?


Lembro perfeitamente do dia em que vi pela primeira vez uma foto de Fernando Gabeira (1941), era a famosa foto da sunga de crochê rosa que ele usou na praia de Ipanema no Rio de Janeiro após seu retorno do exílio, estávamos em 1981. Desde 1979 o livro O Que É Isso Companheiro? já circulava entre a moçada da praia e os modernetes mais antenados. Ainda vivíamos sob um clima tenso, já com anistia política, mas sob uma pressão impregnada que vinha dos governos militares.

Lembro também de uma entrevista do Gabeira em que ele dizia, de forma bem humilde, que seu livro era apenas um depoimento, um ensaio sobre sua vida, uma forma de expurgar suas angústias e os fatos que marcaram, e marcariam, sua existência para sempre. Eu era um jovem de dezenove anos nada politizado e com uma visão de mundo bem pequeno burguesa, ao ler a entrevista percebi que era chegada a hora de saber mais sobre o assunto não pelos livros de história, e sim pelas biografias daqueles que fizeram acontecer.

Cabe lembrar a você, leitor desse blog, que o ano era 1964 e se você nunca leu esse livro, ou não estava vivo no período, é bom ter em mente que estávamos no auge dos Beatles e dos Rolling Stones, havia um slogan americano “Make Love, Not War” que martelava em nossas cabeças frente à guerra do Vietnã, aqui no Brasil o Tropicalismo era o tom na revolta contra os militares e a vontade de mudanças. Algumas pessoas mergulharam de corpo e alma num comprometimento legítimo de mudanças que resultou no país livre que temos nos dias de hoje.

Fernando Gabeira conta sobre seu engajamento, sua experiência na luta armada, a clandestinidade, os bastidores do sequestro do embaixador Charles Elbrick, sua prisão e os anos de exílio. Narrado na primeira pessoa a obra tornou-se um sucesso de vendas e acredito que isso aconteceu por causa da narrativa que misturava fatos históricos relevantes, um toque de romance e reflexões do autor sobre ter valido ou não a pena tudo que viveu. Acredito piamente que era uma obra à frente do seu tempo quando foi publicada pela primeira vez em 1979.

Em 1997 o cineasta Bruno Barreto levou para as telas do cinema um filme baseado no livro. Se quiserem um conselho, não o vejam, na minha modestíssima opinião é um filme raso e ruim, um passo infeliz na carreira do diretor. Se você quer saber mais vá direto à fonte, o livro está por aí e pode ser adquirido por um precinho bem camarada.

Cidade do abandono: Fortaleza/CE
Local: Restaurante Sirigato
Data: 25/06/2014

domingo, 4 de maio de 2014

A INCRÍVEL E TRISTE HISTÓRIA DE CÂNDIDA ERÉNDIRA E SUA AVÓ DESALMADA


Amargamos recentemente a morte de um grande autor, Gabriel Garcia Márquez (1927-2014) nos deixou dia 17 de abril. As TVs fizeram suas homenagens mostrando clipes de suas fotos e trechos de suas entrevistas, as Academias de Letras fizeram chás e discursos enaltecendo sua obra, nas redes sociais pipocaram fotos e legendas sobre sua morte, embora muitos daqueles que publicaram trechos de livros em seus perfis eu tenho certeza que jamais leram uma linha sequer do autor e só o fizeram para manter-se “na moda” do politicamente correto e culto.

Eu me emocionei com a sua partida, recluso desde 2009 quando anunciou uma pretensa aposentadoria e não publicou mais nenhum original, é, para mim, muito difícil saber que essa fonte de sabedoria se esgotou para sempre. Nossa sorte é que existe um legado para ser desfrutado a qualquer tempo porque sua obra é atemporal.  Já escrevi sobre ele em diversos posts: Crônica de uma morte anunciada (Ago/2010), Cem anos de solidão (Abr/2013), O amor nos tempos do cólera (Jun/2013) e Memória de minhas putas tristes (Jul/2013). Hoje, mais do que nunca, alimento a esperança para aqueles que acharam os livros que tenham-se apaixonado pelo Gabriel e continuaram a ler outros de seus escritos.

A Incrível e Triste História de Cândia Eréndira e sua Avó Desalmada faz parte do seu acervo de contos que nesse livro em particular ganhou status de titular. Ao todo são sete contos fantásticos que o Gabriel mistura acontecimentos surreais a detalhes do cotidiano, em especial os pescadores. Histórias como “O afogado mais bonito do mundo” e “O anjo idoso” revelam o melhor do seu talento como criador de tipos em meio à surrealidade dos fatos.

Eréndira foi originalmente escrita como roteiro cinematográfico, posteriormente à sua publicação como conto foi readaptada para o cinema em 1983 numa coprodução entre México, Alemanha e Portugal e dirigida pelo cineasta Ruy Guerra. Tornou-se um cult film pelo desempenho incomparável de Irene Papas no papel da avó, e a jovem Eréndira foi interpretada por uma atriz brasileira que mostrou todo seu talento, beleza e sensualidade, a até então quase desconhecida Claudia Ohana.

Rezo uma oração em memória de Gabriel Garcia Márquez e peço a Deus que sua genial obra nunca seja esquecida.

Cidade do abandono: São Paulo/SP
Local: Av. Paulista - Muro do Parque Trianon
Data: 30/06/2014