domingo, 31 de março de 2013

BRASIL: NUNCA MAIS


Recentemente percebi ao meu redor uma série de fatos que poderiam passar simplesmente por mera coincidência, se por acaso eu acreditasse nelas. Não sou um crente fervoroso, nem um descrente leigo, mas acredito que tudo que acontece a sua volta tem um sentido, ou pode ser aproveitado como tal. Dito isso aproveito para apresenta-los ao livro que pretendo abandonar: Brasil: Nunca Mais.

Mas vamos aos fatos. Estive arrumando minha estante para a entrada de novos livros e quando acabei a arrumação notei que ficou bem na frente um livro vermelho, era ele. Recentemente vejo nas redes sociais a quantidade de manifestos, protestos, convocações para passeatas, argumentações fervorosas, críticas eloquentes, sobre os mais diversos assuntos. Para mim o campeão é o pastor Feliciano, até eu que pouco uso o Facebook já postei minha opinião a respeito desse senhor. Na quarta-feira passada finalmente assisti na integra o programa Saia Justa do canal GNT com sua nova formação, e aqui me dou o direito de abrir um parêntese para manifestar minha saudade do elenco que deu origem ao programa; Mônica Waldvogel, Marisa Orth, Rita Lee e Fernanda Young, quando a nova âncora Astrid Fontenelle comenta sobre os “manifestos do sofá”, ela falava sobre essa nova geração pós anos 2000 que se utiliza da internet para protestar e promover manifestos sem sair de casa.

Imediatamente olhei para a estante e lá estava ele, Brasil: Nunca Mais. Será que essa nova geração que tanto usufrui das benesses de uma democracia e expressa sua opinião com tamanha eloquência sabe o quanto foi penoso e dolorido para outros tantos expressar suas opiniões durante o período da ditadura militar?

O livro foi escrito a partir de um projeto desenvolvido por Dom Paulo Evaristo Arns, Rabino Henry Sobel e o Pastor presbiteriano Jaime Wright, realizado clandestinamente através de pesquisas entre 1979 e 1985, tem como mote os relatos feitos em juizo por opositores do regime de 1964 que tiveram papel fundamental na identificação dos torturadores do regime militar e denunciaram as perseguições, assassinatos, desaparecimentos e as torturas. Atos praticados nas delegacias, unidades militares e locais cladestinos mantidos pelo aparelho de repressão no Brasil.

É um livro obrigatório para que conheçamos de onde viemos e analisar para onde vamos.

E para não ser tachado de tendencioso recomendo também a leitura do livro "Tentativas de Tomada do Poder". É o mesmo estudo sobre os casos e pessoas retratadas em Brasil: Nunca Mais feito pelos órgãos de repressão do período, a versão da polícia para a mesma história.

Cidade do abandono: Salvador/BA
Local: Praça da Igreja - Itapoan
Data: 25/05/2013

terça-feira, 26 de março de 2013

A CARÍCIA DO VENTO


Janet Dailey (1944) tinha trinta anos quando repetiu mais uma vez para seu marido que poderia escrever livros melhores do que aqueles que já tinha lido. Consumidora voraz de romances desde pequena, quando suas irmãs mais velhas liam para ela, e mais tarde com seu próprio cartão da biblioteca pública acostumou-se a fuçar todo tipo de romance e os devorava avidamente. Desafiada pelo marido para enfim escrever suas próprias histórias não demorou muito para que Janet conseguisse que a Harlequin multinacionais publicasse seu primeiro romance.

O livro que pretendo abandonar chama-se “A Carícia do Vento”, faz parte do universo da escritora que traz heroínas pouco convencionais para a época, não eram mais virgens e apaixonavam-se por homens pobres ou pouco atraentes, mas sempre com personalidades fortes para haver um embate.

Na leitura conheceremos Sheila Rogers, uma garota rica muito mimada pelos pais que a tratavam como princesinha. Casa-se com Brad, um caça dotes bonito e envolvente. Na lua de mel no México Brad é assassinado e ela sequestrada. Sheila conhece o seu raptor, um homem forte, corajoso e idealista, chamado Ráfaga, uma espécie de Robin Hood que encarna a esperança de pessoas oprimidas que vivem sem comida, sem justiça, a mercê da vontade das autoridades locais. O ódio e a rejeição inicial dá lugar a uma paixão arrebatadora entre eles. Duas personalidades e realidades que repelem e seduzem ao mesmo tempo, tanto que de raptada Sheila torna-se a raptora num revés surpreendente, sedutor e picante.

Reza a lenda que Janet é altamente disciplinada e quando está escrevendo um novo romance se impõe uma meta de quinze páginas por dia. Num dia bom isso pode durar entre oito ou dez horas de trabalho, num dia não muito inspirado pode passar de quatorze horas. Uma peculiaridade da sua eficácia é que ao completar as quinze páginas ela para de escrever mesmo que esteja no meio de uma frase. Segundo Janet os pensamentos inacabados são um incentivo para recomeçar a escrever no dia seguinte.

Cidade do abandono: Salvador/BA
Local: Concha Acústica do Teatro Castro Alves
Data: 13/04/2013

domingo, 17 de março de 2013

OLHOS AZUIS CABELOS PRETOS


Marguerite Duras (1914-1996) é uma autora que me instiga. Assim como Clarice do post passado, Marguerite Yourcenar, Viginia Woolf, Florbela Espanca e, sem querer desmerecer ou ser injusto com as demais, o fato é que Marguerite Duras tem uma escrita voltada para as relações humanas sob a ótica do amor que me fascina. Nunca consegui ler seus livros uma única vez. Aqui no blog ela já apareceu duas vezes com os livros A Dor e O Deslumbramento.

Agora escolhi Olhos Azuis Cabelos Pretos e estou com um friozinho na barriga ao escrever este post porque sei que em breve o livro irá sair da minha estante. O que me conforta é o fato de saber que provavelmente esse livro irá povoar os pensamentos de uma outra pessoa.

O romance tem como cenário um quarto. Dele ouve-se o barulho do mar, mas também se ouve o ruído das pessoas que passam em busca de sexo. A narrativa gira em torno de um homem e uma mulher que vivem uma união branca e que tem entre si um obstáculo intransponível ao outro, as lembranças do homem de olhos azuis e cabelos pretos.

Ele é homossexual e ela é paga por ele para que durma a seu lado com a finalidade implícita de manter uma espécie de impessoalidade afetiva. Ele se apaixonou pelo rapaz que conheceu e ela é dúbia em seus sentimentos pelos dois, ama a ilusão do amor correspondido. O encontro do homem e da mulher é permeado pelas lembranças do rapaz. Não contam seus nomes, mas conversam sobre a vida, a morte, e sobre seus anseios. A autora utiliza-se da sua experiência para traçar cenas na terceira pessoa com marcações puramente teatrais com frases curtas e eloquentes.

Um primor.

Cidade do abandono: Salvador/BA
Local: Shopping Passeo Itaigara - Escada de acesso ao cinema.
Data: 29/03/2013

sábado, 9 de março de 2013

A HORA DA ESTRELA


Estou aqui sentado na frente do computador há mais de 40 minutos. Desde que peguei A Hora da Estrela na estante que o livro tremula em minhas mãos. Releio trechos, lembro-me das passagens, penso no filme da Suzana Amaral e a figura da Marcélia Cartacho vem forte na memória, e uma questão me atormenta: Como vou passar para o leitor do blog tamanho sentimento?

A Hora da Estrela foi o último livro publicado pela jornalista e escritora Clarice Lispector (1920-1977). E todos dos livros que li da autora me deixaram assim, transbordando em sentimentos. É uma incógnita como ainda hoje consegue mexer tanto comigo, desde a primeira vez que li A Paixão Segundo G.H. que fui arrebatado por Clarice e tornei-me leitor assíduo da sua obra.

Nos idos anos 80 confesso que fiz cara feia quando ouvi dizer que um dos meus livros preferidos seria transformado em filme. Não acreditei em tamanho atrevimento e pensei; vão transformar os textos de Clarice em lixo. Até começar a ouvir as críticas positivas, os prêmios arrebatados, e deixar-me seduzir pela interpretação magistral de Marcélia Cartaxo que passou a ser minha referência de personificação todas as vezes que senti saudades da ingênua Macabea.

A Hora da Estrela é um romance sobre o desamparo. A história é narrada pelo então fictício escritor Rodrigo S. M. e começa quando uma moça do interior vai para o Rio de Janeiro em busca de seus sonhos. Quando somos apresentados a Macabea vimos o quanto miserável é a sua vida e o quanto ela não tem consciência sobre isso.

Lembro muito bem de uma entrevista que Clarice concedeu à TV Cultura e que tive a oportunidade de assistir anos depois da veiculação. Na entrevista Clarice dizia que estava escrevendo um livro que já tinha pensado para ele mais de quinze títulos diferentes e contava a história de uma moça tão pobre que só comia cachorro quente. Mas a história não é bem essa, ela nos transporta para uma inocência há muito perdida, uma miséria não contabilizada, mas que tem um final feliz para a anônima protagonista.

Um livro que deve ser lido, um filme que deve ser visto, uma saudade incrível da Marcélia Cartaxo, Tamara Taxman e do José Dumont. Saudade maior de uma Clarice Lispector em nossas vidas.

Cidade do abandono: São Paulo/SP
Local: Casa do Pão de Queijo - Conjunto Nacional
Data: 26/03/2013

domingo, 3 de março de 2013

HISTÓRIA DO CERCO DE LISBOA


Meu primeiro contato com a obra do José Saramago (1922-2010) se deu quando morava em São Paulo e fui assistir no teatro uma peça inspirada na sua bem polêmica obra intitulada ‘O Evangelho Segundo Jesus Cristo’, uma montagem bem bacana que me despertou para a leitura do livro. Daí para ler quase toda a obra foi um passo já que o autor tem uma veia única para contar suas histórias. E que histórias. Vocês devem lembrar do filme ‘Ensaio Sobre a Cegueira’ que também teve o enredo inspirado na obra homônima do Saramago.

Em ‘História do Cerco de Lisboa’ o leitor se depara com a história real do cerco a Lisboa em 1147 quando os portugueses, com a ajuda dos cruzados, tomaram a cidade dos mouros. E a outra história, inventada, fictícia, que surge através de um ato do revisor Raimundo Silva depois de alterar injustificadamente uma palavra em certa frase na revisão de um livro, mudando a história real com a simples força de um “não”.

Para além das decorrências desse ato Raimundo Silva vai viver outra história, desta vez com sua editora Maria Sara, um encontro amoroso na Lisboa de hoje, duas narrativas tecidas e entretecidas de forma brilhante pelo mestre Saramago. A nova história do cerco é crônica do amor tardio do revisor falsário por Maria Sara que se espelha, vários séculos depois, no amor do soldado Mogeuime por Ouroana aos pés da cidade prestes a cair. É uma fascinante meditação sobre a natureza e as relações entre a ficção e a história, a vivida e a narrada, as possiblidades do romance enquanto meio de recriar o passado e o presente.

“Está demonstrado, portanto, que o revisor errou, que se não errou confundiu, que se não confundiu imaginou, mas venha atirar-lhe a primeira pedra aquele que não tenha errado, confundido ou imaginado.” Sentencia o autor.

Cidade do abandono: São Paulo/SP
Local: Entrada do metrô Consolação
Data: 25/03/2013